Chico Buarque de Hollanda - Nº 4 (1970)

Este disco tem a fama de ter sido "renegado" pelo Chico (devido às baixas vendagens em comparação com seus trabalhos anteriores). Talvez por isso alguns críticos argumentam que esse trabalho é "fraco" e que seria uma espécie de "patinho feio" na discografia do compositor. Mas a verdade é que, quando paramos para analisar os detalhes, vemos que se trata de um disco muito interessante e repleto de boas canções.

O contexto do lançamento deste disco precisa ser explicado: Chico estava exilado na Europa e mandou para o Brasil fitas com seus vocais. Em cima desse material foram colocados arranjos, sem que o compositor pudesse dar muitos "pitacos" sobre a produção. Quando Chico voltou para o Brasil, as orquestrações já estavam quase todas prontas.

O resultado foi que, em termos de arranjos, o disco se tornou uma "salada de frutas". Faltou coerência. Mas, se analisarmos as composições "cruas", notaremos que a genialidade do Chico está tão presente neste trabalho quanto nos anteriores.

Abrindo o disco, já temos um clássico: "Essa Moça tá Diferente". Na letra, Chico "zoa" a si próprio: "essa moça é a tal da 'janela', que já cansei de cantar" (fazendo referência às reclamações dos críticos quanto à repetição dessa palavra em suas letras).

"Ilmo. Sr. Ciro Monteiro" foi uma gozação que Chico endereçou ao seu amigo. Ciro Monteiro tinha feito uma brincadeira sobre "virar a casaca" da recém nascida filha do Chico, e então nasceu essa letra.

Em "Agora Falando Sério", temos mais uma brincadeira de Chico:


"Agora falando sério

Eu queria não cantar

A cantiga bonita

Que se acredita

Que o mal espanta

Dou um chute no lirismo

Um pega no cachorro

E um tiro no sabiá

Dou um fora no violino

Faço a mala e corro

Pra não ver a banda passar"


Nos versos acima, "Sabiá" se refere a uma música sua com Tom Jobim de 1968 e "ver a banda passar" é parte da letra de "A Banda". Chico realmente "chutou" o lirismo de antes e se mostrou disposto a fazer uma obra mais moderna (talvez por efeito da renovação lírica feita pelo movimento tropicalista).

Quando percebeu essa mudança de estilo nas letras de Chico, Caetano Veloso, que antes o tinha criticado por fazer letras nada modernas, disparou: "Chico Buarque segue em frente, arrastando a tradição".

"Gente Humilde" é uma letra que Chico colocou em uma melodia do compositor Garoto. Até hoje, é a canção com mais regravações do artista. Chico mostra preocupação com a situação dos mais pobres e oprimidos, numa espécie de altruísmo.

A canção "Nicanor" fez algum sucesso depois de ser inclusa em um dos discos da coletânea comemorativa dos cinquenta anos de Chico, em 1994. A letra é uma das mas tradicionais de sua carreira, mas destaco o arranjo de abertura, que pode ter influenciado sua canção "Mambembe", de alguns anos depois.

"Rosa dos Ventos" começa com arranjos caóticos. A letra diz:

"E do amor gritou-se o escândalo / Do medo criou-se o trágico / No rosto pintou-se o pálido / E não rolou uma lágrima / Nem uma lástima para socorrer"

Maria Bethânia gostou logo de cara da composição e, no mesmo ano, regravou-a no disco "O Show Encantado". A melodia em "decrescente" contribui na formação da atmosfera sombria da canção. Na minha opinião, é um dos momentos mais inspirados do disco.

"Samba e Amor" é outro clássico do disco, que contém a famosa passagem: "eu faço samba e amor até mais tarde / e tenho muito sono de manhã". Mallu Magalhães fez uma bela versão desta música no programa do finado Jô Soares, em idos de 2009.

"Pois É" é o último destaque que faço do disco. A canção foi regravada por Elis Regina (que originalmente tinha "rejeitado" gravar algumas canções de Chico, no início da carreira do compositor).

Como conclusão, temos que: se a obra como um todo tivesse mais coerência, teria sido um grande disco. Mas, devido às circunstâncias da época, tornou-se "apenas" um amontoado de canções inspiradas.

Para mais detalhes sobre este disco, acesse:

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Discografia comentada: Chico Buarque

Discografia comentada: Caetano Veloso

Karma - Karma (1972)