Cartola - Cartola (1974)

A poética afiada e natural de Cartola só foi descoberta do grande público quando ele lançou seu primeiro disco, em 1974. Naquela época, já com 66 anos, tinha um respeitável repertório de sambas, do qual ele mostrou uma parte, talvez a de melhor qualidade, nesse trabalho. Começando com "Disfarça e Chora", que tem versos como "Chora, disfarça e chora / Aproveita a voz do lamento / Que já vem a aurora" e termina dizendo "Olhar, gostar só de longe / Não faz ninguém chegar perto / E o seu pranto oh, triste senhora / Vai molhar o deserto" evidenciando o talento do artista como letrista, remetendo à poética de Chico Buarque. No seu álbum, diz-se apenas que foi feita junto de Dalmo Castello. Pesquisando na Internet, encontram-se somente informações escassas. Portanto, não posso afirmar até aonde é a parte criada por Cartola e a de seu amigo.

A faixa que segue, "Sim", feita em parceria de Oswaldo Martins, conta a história de um indivíduo desencantado com seu cônjuge e que, talvez devido a uma traição, pede perdão a Deus e a todos, que encontram-se zangados com ele. "Corra e olha o Céu", uma obra-prima tanto na melodia quanto na letra, foi feita novamente em parceria com Dalmo. 

"Acontece", outro popular samba, tem letra que diz "Acontece que o meu coração ficou frio / E o nosso ninho de amor está vazio / Se eu ainda pudesse fingir que te amo / Ah, se eu pudesse", mostrando um jeito mais simples de se falar do amor. "Tive, Sim", novamente um tema romântico, se faz uma canção de ritmo cativante. Na letra, acho que Cartola tem umas bem melhores e complexas.

"O Sol Nascerá", um tema atemporal, é um hino de Cartola. Na sua melodia, me remete a um outro clássico de Chico, "Vai Passar", lançado dez anos depois. É um grande exemplo de inspiração de dois gênios, já que Buarque sempre se disse muito fã de Angenor. O lado B começa com "Alvorada", que diz "Você também me lembra a alvorada / Quando chega iluminando / Meus caminhos tão sem vida / E o que me resta é bem pouco / Ou quase nada, do que ir assim, vagando / Nesta estrada perdida", mostrando uma excelente letra do artista, tratando o amor com a devida maturidade poética.

A próxima faixa, "Festa da Vinda", feita em parceria com Nuno Veloso, diz "Eu e meu violão / Vamos rogando em vão / O seu regresso / Se soubesses como choro e como peço / Para que nosso fracasso / Se transforme em progresso", no que é talvez a mais obscura canção do álbum, e nem por isso a menos genial. "Quem Me Vê Sorrindo", com melodia cativante, diz "Compreendi o erro de toda humanidade / Uns choram por prazer e outros com saudade / Jurei e a minha jura jamais eu quebrarei / Todo pranto esconderei".

Voltando ao tema romântico, temos "Amor Proibido", um gostoso samba e de letra igualmente genial, como todas as faixas do disco. Essa é a terceira das quatro canções do álbum compostas apenas por Cartola. "Ordenes e Farei", iniciando com um trompete animado, diz "Os teus olhos tão lindos da cor do luar / Os teus olhos que fazem meus olhos chorar / Escravizado para sempre serei / Estarei a teu lado / O que precisares / Ordenes, farei", numa letra de submissão à mulher.

Fechando o disco, temos "Alegria", que começa de forma bem humorada, com um rapaz pedindo pra ele tocar a tal canção. A letra contém essa parte: "Eu sei que teus beijos e abraços / Tudo isso não passa / De pura hipocrisia / Já que tu não és sincera / Eu vou te abandonar / Um dia". E, dessa forma, termina esse grande álbum, um dos melhores da música brasileira.


  • Avaliação: A+

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