Erasmo Carlos – Carlos, Erasmo… (1971)

Nota: texto escrito pelo meu amigo Malcom Fernandes.

No decorrer dos anos 1960, Erasmo Carlos formou uma das maiores duplas de compositores de sucesso da história da MPB ao lado de Roberto Carlos, com quem fez diversas canções de enorme sucesso tanto para o “rei” (Roberto) quanto para o “tremendão” (Erasmo), e também para outros artistas na época da Jovem Guarda. E foi nessa década em que Erasmo emplacava só sucessos atrás de sucessos durante seu período como artista na RGE Discos, gravadora aonde tinha Chico Buarque (com o “de Hollanda” inicialmente), o sambista Miltinho entre outros.

Mas na década seguinte, com o sucesso de “Sentado À Beira do Caminho”, que estourou de imediato na telenovela exibida na Tupi “Beto Rockfeller”, protagonizada por Luís Gustavo, e que acabara sendo um dos maiores legados da dupla, acabavam os bons anos na RGE. A Jovem Guarda já deixara de ser um programa fazia anos, Roberto consolidava com seu sucesso mundial e mais sucessos a dupla compunha.

Foi em 1971 que viu tudo mudar de rumo: assinava com a Philips, e ali iniciou uma nova fase na sua carreira. Com a produção de Manoel Barenbein e de Nelson Motta, o álbum “Carlos, Erasmo…” pegaria carona na onda do sucesso que Tim Maia fazia com seu funk/soul bem brasileiro e bem suingado. E o disco é reverenciado até hoje pela nova geração, se tornando um dos melhores discos já feitos na história da MPB.

O álbum já começa bem: uma guitarra suingada é o cartão de visitas para um Erasmo mais na pegada do “sambalanço” na faixa “De Noite na Cama”, escrita por Caetano Veloso em seu exílio nas terras do chá e do futebol, especialmente para o próprio Tremendão. Depois, uma baladinha típica com orquestrações em “Masculino, Feminino” onde ele divide os vocais com Marisa Fossa. As composições da dupla aparecem em “É Preciso Dar Um Jeito, Meu Amigo”, baladinha com ares progressivos e um solo de saxofone arrepiante e pegajoso.

O uruguaio Taiguara aparece colaborando com “Dois Animais na Selva Suja da Rua”, com uma pegada bem energizante tanto pelas melodias quanto pela forma que Erasmo dá a voz a este tema. Já em “Gente Aberta”, o clima começa soft e acaba puxadão para o soul à la Motown, mais um tiro certeiro de Roberto & Erasmo. O lado A termina com uma versão bem eletrizante de “Agora Ninguém Chora Mais” de Jorge Ben: rockzão, elétrico, cheio de solos, lembra um pouco Zeppelin e coros (duvido que estes vocais que acompanham o Erasmo sejam os MPB-4, só acho), que engrossa mais o caldo deste disco.

Para o lado B, uma história bíblica abre esta segunda parte do disco: “Sodoma e Gomorra”, com uma voz suavizante e uma levada de bossa que puxa um pouco para o country e pro folk especificamente. Já “Mundo Deserto”, que faz a gente ter esperança de dias melhores no meio das sombras que eram o regime/ditadura militar e ainda garante: “Tenho fé que meu país ainda vai dar amor pro mundo” num tom otimista. Já na faixa seguinte, o Tremendão pede algo que acaba soando ousado demais em “Não Te Quero Santa”, destacando o excesso de sensualismo (ou uma parte deste) na letra.

Contraatacando novamente nesse disco, a dupla traz aqui “Ciça, Cecília” com uma pegada bem jovem-guardista e recheada de metais, e de pegada latina: nada de ruim que nos decepcione até aqui. Na sequência, um bolerinho psicodélico “Em Busca das Canções Perdidas Nº 2”, seguido de um tema dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle, “26 Anos de Vida Normal” é um balanço sincero sobre um homem que passou bom tempo entre o jornal e a televisão, com um wah-wah e arranjos de Rogério Duprat (1932 - 2006), que também fizera os da faixa que encerra o disco: “Maria Joana”, uma ode canábica de Roberto & Erasmo em uma pegada de mambo, bem à moda caribenha e psicodélica, fechando com chave de ouro esta obra-prima.

Basicamente, este trabalho oferece uma mudança radical no som do Tremendão, que oferece o que pouca gente conhecia, mais além daquele da “Festa de Arromba” e do “Coqueiro Verde” que estávamos acostumados. Autêntico. Ousado. Diferente.

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